1. Introdução
2. Definição e classificação das membranas
3. Tipo de membranas e configurações
4. Transporte do soluto através de membranas porosas
4.1. Modelo do filme
4.1.1. Determinação do coeficiente de transferência de massa
4.2. Modelo da pressão osmótica
5. Ultrafiltração. Casos de estudo
5.1. Modo de operação em contínuo
5.2. Modo de operação em descontínuo
Bibliografia
1. Introdução
Em operações industriais, em particular de processos químicos, com a finalidade de produzir compostos com determinadas especificações, é necessário separar, concentrar e purificar espécies presentes em diferentes correntes dos processos envolvidos. Para estas operações, os processos de separação por membranas têm-se destacado como alternativas bastante promissoras aos processos clássicos de separação, uma vez que estes oferecem vantagens no que se refere ao consumo de energia, especificidade e facilidades de scale-up.
Os processos que utilizam membrana têm tido aplicação nos mais diversificados sectores da indústria química, indústria alimentar e farmacêutica, biotecnologia, medicina e tratamento de águas industriais e de abastecimento. Em aplicações na área da biotecnologia, com vista à recuperação de bio-produtos de valor acrescentado (proteínas, antibióticos, vitaminas, amino ácidos, etc.), é bem conhecido que existem alguns problemas que dificultam o processamento de correntes provenientes de processos biotecnológicos, nomeadamente as características do mosto das fermentações que normalmente se apresenta em concentrações muito baixas. Os custos energéticos envolvidos nesta etapa de recuperação de compostos a partir de soluções muito diluídas são muito superiores aos custos das matérias-primas e da fermentação/bioconversão e são determinantes para tornar economicamente viável a produção dos produtos finais. Processos baseados em membranas como a Microfiltração, Ultrafiltração e a Nanofiltração, têm sido apontados como uma boa solução, por serem processos de baixo consumo energético e que proporcionam um tratamento eficiente do mosto, quer para recuperar produtos celulares ou intracelulares, quer para obter o mosto clarificado.
Outro desafio que é preciso enfrentar na separação de produtos biotecnológicos prende-se com o facto de produtos como os antibióticos e proteínas, serem muito sensíveis a variações drásticas de temperatura, pH e força iónica da solução. O recurso à separação por membranas permite, de algum modo, resolver esse tipo de problemas.
::: Início :::
2. Definição e classificação das membranas
Os processos de filtração por membranas permitem o fraccionamento de solutos dissolvidos em correntes líquidas e a separação de misturas gasosas. A maioria destes processos usa o escoamento tangencial (“cross flow”), uma particularidade que os distingue da filtração convencional, onde se promove a separação de partículas sólidas em suspensão de correntes líquidas ou gasosas em escoamento frontal. A membrana é definida como uma barreira permeável e selectiva, que restringe a transferência de massa entre duas fases como se mostra na figura 1.
Figura 1 – Representação esquemática de um sistema de 2 fases separado por uma membrana (adaptado de Mulder, 1991)
O desempenho ou eficiência de uma membrana é determinada por dois parâmetros: a selectividade e o fluxo. A selectividade é normalmente expressa pelo coeficiente de retenção, R = 1 – CP/CF, em que CF representa a concentração do soluto na alimentação e CP a concentração do soluto no permeado ou filtrado. O fluxo ou velocidade de permeação é definido como o volume de solução que atravessa a membrana por unidade de área e por unidade de tempo (L3.L2.Θ-1)
De um modo geral, as membranas podem ser classificadas de acordo com a sua natureza e estrutura ou morfologia. Relativamente à sua natureza, as membranas dividem-se em biológicas (vivas ou não vivas) e sintéticas (orgânicas ou inorgânicas). Do ponto de vista estrutural, as membranas podem ser simétricas (porosas ou não porosas) e assimétricas. As simétricas apresentam uma espessura entre 100 e 200 μm e as assimétricas são constituídas por uma camada homogénea, muito fina, e em que a espessura pode variar entre 0.1 a 0.5 μm, suportada por uma camada porosa com uma espessura entre 50 a 150 μm.
No processo de separação por membranas, a corrente de alimentação com concentração do soluto CF é alimentada em escoamento tangencial ao longo da superfície da membrana e divide-se em duas correntes, o concentrado ou retido e o permeado, como está ilustrado na Figura 2. A corrente do retido é essencialmente constituída por partículas e solutos rejeitados pela membrana, cuja concentração CR é superior à CF, enquanto a de permeado por solvente ou solução clarificada.
Figura 2 – Correntes do processo
Os principais processos de membranas utilizam como força motriz o gradiente de potencial químico e/ou o gradiente de potencial eléctrico. Como a maioria dos processos ocorrem em condições isotérmicas, o gradiente de potencial químico é expresso em termos do gradiente de pressão, concentração ou pressão parcial de acordo com a equação,
| (1) |
onde μi é o potencial eléctrico da espécie i, λi é o coeficiente de actividade, xi é a fracção molar, vi é o volume molar e ΔP o gradiente de pressão.
A Tabela 1 apresenta as características mais importantes dos processos de separação com membranas, nomeadamente o tipo de força motriz envolvida e o mecanismo de acção, bem como alguns exemplos de aplicação. A Figura 3 sumariza a gama de aplicação destes processos em função do tamanho de diferentes tipos de partículas. Nesta Figura, destacam-se 5 grandes séries de tamanhos: macropartículas, micropartículas, macromolecular, molecular e partículas iónicas. A microfiltração é adequada para separar partículas, como bactérias e glóbulos vermelhos, cujo tamanho varia entre 0.05 a 2 nm. Partículas cujos tamanhos variam de 0.00005 a 0.05 nm são removidas com processos de osmose inversa, nanofiltração ou utlrafiltração.
Tabela 1 – Características mais relevantes dos processos de separação por membranas
PROCESSO | FORÇA MOTRIZ | MECANISMO DE ACÇÃO | MATERIAL RETIDO | APLICAÇÕES |
Microfiltração (MF) | Gradiente de pressão 0.1 – 1 bar | Exclusão | Material em suspensão 0.1 – 10 μm | - Clarificação de vinho e cerveja - Esterilização bacteriana - Concentração de células |
Ultrafiltração (UF) | Gradiente de pressão 0.5 – 5 bar | Exclusão | Colóides, macromoléculas PM > 5000 | - Fraccionamento e concentração de proteínas - Recuperação de pigmentos - Recuperação de óleos |
Nanofiltração (NF) | Gradiente de pressão 1.5 – 40 bar | Exclusão /Difusão | Moléculas de peso molecular médio 500 < PM < 2000 | - Purificação de proteínas - Separação de compostos orgânicos e sais divalentes |
Osmose Inversa (OI) | Gradiente de pressão 20 – 100 bar | Difusão | Todo material solúvel ou em suspensão | - Dessalinação de águas - Concentração de sumos - Desmineralização da água |
Diálise (D) | Gradiente de concentração | Difusão | Moléculas de PM > 5000 | - Hemodiálise-Rim artificial - Separação de sais |
Electrodiálise (ED) | Gradiente de potencial eléctrico | Migração num campo eléctrico | Macromoléculas e compostos iónicos | - Concentração de soluções salinas |
Permeação de gases (PG) | Gradiente de pressão e concentração | Soluibilidade / Difusão | Gases menos permeávei | - Recuperação de H2 - Separação CO2/CH4 - Fraccionamento do ar |
Pervaporação (PV) | Gradiente de concentração | Solubilidade / Difusão | Líquidos menos permeáveis | - Desidratação de álcoois - Remoção compostos voláteis - Separação misturas azeotrópicas |
Figura 03: Intervalos de tamanhos de partículas removidas por processos de filtração (Fonte: Osmonics, http://www.osmolabstore.com/documents/spec2.pdf, 2007).
::: Início :::
3. Tipo de membranas e configurações
As membranas comerciais são normalmente sintetizadas a partir de materiais poliméricos. O acetato de celulose foi o primeiro material a ser utilizado em processos de OI, NF e UF. O material apresenta algumas limitações quanto à sua sensibilidade face a variações de pH e de temperatura. Além disso, pode ser facilmente degradado por acção microbiana. Tem como principais vantagens o seu baixo custo e o facto de ser material hidrofílico. A polisulfona tem sido usada no fabrico de membranas de MF e UF. A vantagem principal deste tipo de membrana é a sua excelente resistência a altas temperaturas e a grandes variações de pH. Outros polímeros que proporcionam melhorias significativas a nível de resistência mecânica, química e térmica das membranas de MF, OI e UF são, respectivamente, o polipropileno, a poliamida e o poliacrilonitrilo. Mais recentemente, têm surgido no mercado membranas baseadas em materiais inorgânicos, dos quais se destacam aquelas preparadas a partir de materiais cerâmicos, tais como alumina, zircónio, sílica e hematite. Estas membranas apresentam maior vida útil e permitem operar em intervalos alargados de pH e temperatura. Entre as desvantagens, estão o seu elevado custo e a pouca flexibilidade por serem materiais duros e quebradiços e com baixa resistência ao impacto.
As membranas são utilizadas em diversas configurações, esquematizadas na Figura 4: tipo planar, tubular, fibra ocas e em espiral. As membranas planares formam uma configuração do tipo “plate and frame”, isto é, são dispostas paralelamente, separadas por espaçadores e suportes porosos. Apresentam uma densidade de empacotamento (área superficial de membrana por volume de módulo, A/V) baixa que pode variar entre 100 a 400 m2/m3. A configuração tubular é constituída por tubos de material polimérico ou cerâmico, cujo diâmetro normalmente é superior a 10 mm, inseridos dentro de módulos de geometria cilíndrica. A relação A/V do módulo também é considerada baixa, sendo sempre menor que 300 m2/m3. As fibras ocas são usadas na forma de cartuchos contendo centenas de fibras de pequeno diâmetro (interno) que variam entre 100 a 500 μm. A grande vantagem desta configuração é a elevada densidade de empacotamento, A/V, que pode atingir valores da ordem dos 30 000 m2/m3. São bastante utilizados em MF e UF. A configuração em espiral é uma das mais comuns nas indústrias que operam com processos de separação por membranas, principalmente MF, UF e OI. É constituída por membranas planares, suportes e espaçadores que são fixados e enrolados em redor de um tubo colector central por onde flui o permeado. A relação A/V varia entre 300 a 1000 m2/m3.
A Tabela 2 apresenta características relevantes para efeitos de selecção da configuração mais adequada a uma determinada aplicação.
Figura 4 – Tipos de configuração dos módulos de membranas; a) Planar; b) Tubular; c) Fibras ocas; d) Espiral.
Tabela 2 – Características dos módulos de membranas
Parâmetro | Tipo de configuração |
| Tubular | Planar | Espiral | Fibras ocas |
A/V (m2/m3) | Baixo | | Muito elevado |
Investimento | Elevado | | Baixo |
“Fouling” | Baixo | | Muito alto |
Limpeza | Fácil | | Muito difícil |
Caudal | Muito elevado | | Muito baixo |
Custos operação | Altos | | Baixos |
::: Início :::
4. Transporte do soluto através de membranas porosas
Como já foi referido, os processos de separação por membranas são operados em escoamento tangencial (“cross flow filtration”), no qual a solução flui paralelamente à superfície da membrana enquanto o permeado é transportado transversalmente à mesma (Figura 5). Durante esta operação, observa-se um declínio no fluxo de permeado ao longo do tempo devido a uma série de fenómenos que criam condições favoráveis ao entupimento (“fouling”) da membrana. Uma vez que a membrana é selectiva, isto é, permite a passagem apenas de alguns solutos, haverá uma acumulação dos solutos que são largamente rejeitados pela membrana. Como consequência, formar-se-á uma camada concentrada na interface da mesma que oferecerá uma resistência adicional à transferência de massa. Este fenómeno que se designa por polarização da concentração assume maior importância no caso da ultrafiltração de hidrocolóides, macromoléculas e outros solutos de elevado peso molecular. Outras condições do processo, tais como as interacções entre os solutos e a membrana, o pH do meio, o tamanho e a morfologia da própria membrana, concorrem para o aparecimento de resistências adicionais devido à formação da camada gel, do entupimento dos poros e da adsorção de solutos na superfície da membrana.
A formação da zona de polarização e da camada gel podem ser minimizadas através do aumento da velocidade de escoamento tangencial devido ao aumento da turbulência. O efeito de mistura, nas proximidades da superfície da membrana, arrasta uma parte significativa dos solutos acumulados, na maioria das vezes por adsorção, reduzindo a espessura da camada gel e aumentando a velocidade de permeação. O “fouling” também pode ser controlado através de outros procedimentos como a aplicação de gradientes de pressão mais reduzidos ou actuando a nível da composição química das membranas de forma a alterar as interacções soluto-superfície da membrana.
Figura 5 – Escoamento em processos de membranas; a) Fluxo cruzado; b) Declínio do fluxo de permeado.
O fluxo através da membrana assume a seguinte forma:
| (2) |
Nos processos conduzidos sob o gradiente de pressão, casos de MF, UF e OI, a equação (2) pode ser expressa por:
| (3) |
onde,
J = Fluxo volumétrico (m3.m-2.s-1);
Rtot = Resistência total (m-1) = Resistência intrínseca da membrana (Rm) + Resistência causada pela adsorção (Ra)+ Resistência causada pelo entupimento dos poros (Rp) + Resistência da camada gel (Rg) + Resistência devido à polarização da concentração (Rp);
ΔP = Diferença de pressão na membrana (Pa);
μ = viscosidade da solução (Pa.s)
Segundo a equação (3) que se designa por modelo das resistências em série, o fluxo é inversamente proporcional ao somatório de várias resistências que irão contribuir de uma maneira diferente para a resistência total ao fluxo. No caso da passagem de água pura através da membrana, somente a resistência da membrana Rm estaria envolvida.
::: Início :::
4.1 – Modelo do filme
Este modelo descreve os mecanismos de transferência de massa em processos de ultrafiltração baseados em três fluxos: o fluxo convectivo em direcção à membrana JC, o fluxo do soluto através da membrana JCp e o fluxo difusivo da membrana para a solução de acordo com a lei de Fick (ver Figura 6). Considera-se, também, que à distância δ da superfície da membrana ocorre mistura completa e em que a concentração no seio de alimentação é Cb. Contudo, nas proximidades da membrana, à montante desta, forma-se uma camada onde a concentração do soluto aumenta e atinge um valor máximo na superfície Cm.
Figura 6 – Polarização da concentração; perfis de concentração em estado estacionário na fase fluida (Adaptado de Mulder, 1991)
O balanço de massa ao soluto em condições estacionárias é dado por:
| (4) |
Integrando esta equação diferencial com as condições fronteira
obtém-se:
| (5) |
em que Cb, Cm e Cp são as concentrações de soluto (kg.m-3), respectivamente, na alimentação, na membrana e no permeado, J é o fluxo volumétrico (m3.m-2.s-1), δ é a espessura da membrana (m) e D é a difusividade do soluto em solução (m2.s-1).
De acordo com a teoria do filme, D/δ é o coeficiente de transferência de massa k(m.s-1), isto é, k = D/δ. Introduzindo o coeficiente de rejeição intrínseco, Rint = 1 – Cp/Cm, a equação (5) virá expressa por,
| (6) |
A razão Cm/Cb designa-se por módulo de polarização de concentração. Esta razão aumenta com o aumento da concentração Cm, com o aumento do fluxo J e com a diminuição do coeficiente de transferência de massa k.
Em muitos casos práticos, quando se aplica a ultrafiltração para concentrar soluções, o fluxo convectivo a jusante da membrana é pouco importante e Cp = 0, logo a equação (5) reduz-se a,
| (7) |
Se admitirmos que se forma uma camada gel de concentração Cg a partir da acumulação de solutos (macromoléculas) na superfície da membrana, devido à precipitação por supersaturação das macromoléculas, o fluxo atinge um valor máximo (fluxo limite J∞) e a equação (5) deverá ser escrita como,
| (8) |
Na Figura 7, ilustra-se a variação do fluxo de permeado com a pressão aplicada. A baixas pressões, baixas concentrações na alimentação e valores elevados do coeficiente de transferência de massa (caudais elevados), ou seja, condições para as quais os efeitos da polarização da concentração são mínimos, o fluxo de permeado é afectado por variações do gradiente de pressão, ΔP. Para valores elevados de ΔP, observa-se que o fluxo deixa de depender do efeito da pressão devidos à polarização da concentração e da consolidação da camada gel, de característica porosa, que se comporta como uma segunda membrana. Isto ocorre para menores caudais e concentrações de alimentação elevadas.
Figura 7 – Variação do fluxo com a pressão; efeitos de Cb e k.
::: Início :::
4.1.1 – Determinação do coeficiente de transferência de massa
O coeficiente de transferência de massa pode ser determinado com base em valores experimentais de fluxo vs concentração ou a partir de correlações empíricas. Pela via experimental, aplica-se a equação (8) utilizando várias concentrações na alimentação Cb e obtendo J∞ para cada uma delas. A representação gráfica de J∞ em função do ln (Cb) permite encontrar o declive –k e a ordenada na origem k ln (Cg), como se mostra na Figura 8.
Figura 8 – Fluxo limite em função de ln (Cb).
A outra alternativa baseia-se na definição do coeficiente de transferência de massa, onde o valor de k depende das condições hidrodinâmicas (velocidade de circulação da corrente de alimentação uc), da difusividade do soluto D, da viscosidade da solução μ, da massa específica ρ e das dimensões e da configuração do módulo de membranas. Define-se assim o número adimensional de Sherwood Sh, como,
| (9) |
onde Sh é o número de Sherwood, dh é o diâmetro hidraúlico, Re é o número de Reynolds, Sc é o número de Schmidt e α, β, y e ω são constantes.
Para configurações tubulares, o diâmetro hidráulico corresponde ao diâmetro de um tubo de secção circular constante e para módulos planares de largura w (m) e altura h (m), o diâmetro hidraúlico é calculado como dh=2wh/(w+h).
O número de Reynolds (ρ uc dh/μ) caracteriza o regime de escoamento. Em geral, para Re < 2100 o fluxo é laminar e para Re > 4000 o fluxo é turbulento. O número de Schmidt depende das características do soluto (D) das propriedades físicas da solução (ρ, μ), é definido pela equação Sc = μ/ρ D. A Tabela 3 apresenta os valores das constantes da equação (9) em função das condições de fluxo.
Tabela 3 – Condições de fluxo e coeficientes para estimar o coeficiente de transferência de massa (Fonte: Cheryan, 1986).
| Condições | Coeficientes |
Correlação | Regime | Re | Lc | Lv | α | β | γ | ω |
1 | Turbulento | > 4000 | - | - | 0.023 | 0.80 | 0.33 | 0 |
2 | Laminar | < 1800 | L<Lc | L>Lv | 1.86 | 0.33 | 0.33 | 0.33 |
3 | Laminar | < 1800 | L<Lc | L<Lv | 0.664 | 0.33 | 0.33 | 0.50 |
Lc e Lv são, respectivamente, o comprimento do canal e o comprimento da região de entrada onde se desenvolve o perfil de concentração. Estes parâmetros podem ser estimados a partir das seguintes equações,
| (10) |
| (11) |
onde yω é a velocidade de corte na parede e B é uma constante cujos valores variam entre 0.029 e 0.05.
Exemplo (retirado do Livro Handbook “Ultrafiltration and Microfiltration”, Cheryan, 1998)
Pretende-se concentrar uma solução de leite, por ultrafiltração, desde uma concentração de 3.1 % até 22.0% (concentração na camada gel). Estime a velocidade de permeação (fluxo) para 2 tipos de configuração de membranas, fibras ocas e tubular, com características apresentadas na Tabela abaixo. As propriedades físicas da solução são as seguintes: massa específica (ρ) = 1.03 g.cm-3, viscosidade (μ) = 0.008 g.cm.s-1 e difusividade do soluto (D) = 7.0x10-7 cm2.s-1.
| Tipo de configuração |
Especificações | Fibras ocas | Tubular |
Diâmetro, dh | 0.11 cm | 1.25 c |
Comprimento, L Número de fibras ou tubos, n | 63.5 cm 660 | 240 cm 18 |
Caudal, Q Queda de pressão, ΔP Velocidade de corte, γ∞ | 38 L.min-1 0.9 kgf.cm-2 7272 s-1 | 265 L.min-1 2.0 kgf.cm-2 |
Cálculos para a configuração do tipo fibras ocas:
1 – Determinar Re
2 – Verificar se L > Lc
Com base nos cálculos efectuados, verifica-se que L (=63.5 cm) < Lc e L > Lv permitindo deste modo seleccionar a correlação 2 que consta da Tabela 3.
3 – Determinar Sh
4 – Avaliar o valor do coeficiente de transferência de massa k
5 – Calcular o fluxo usando a equação (8)
A mesma metodologia de cálculo pode ser seguida para a configuração tubular e de acordo com esta o valor obtido para o fluxo é de 80.7 L.m-2.h-1. A tabela a seguir sumariza os resultados obtidos para as duas configurações.
| Tipo de configuração |
Parâmetro | Fibras ocasa | Tubularb |
Fluxo, J | 24.3 L.m2.h-1 | 80.7 L.m2.h-1 |
Coeficiente de transf. massa, k Número de Sherwood, Sh | 12.4 L.m2.h-1 54.0 | 40.5 L.m2.h-1 2 008.0 |
Número de Reynolds, Re Número de Schmidt, Sc Rácio, dh/L | 1 416 11 096 1.73x10-3 | 32 188 11 096 -b |
a – regime laminar
b – regime turbulento, ω=0 e a razão dh/L não é aplicável.
::: Início :::
4.2 – Modelo da pressão osmótica
Na filtração por osmose inversa de soluções contendo solutos de baixo peso molecular, as pressões osmóticas são normalmente elevadas. Assim, para que ocorra fluxo de permeado a pressão externa terá que ser maior que o gradiente de pressão osmótica Δπ e, portanto, o gradiente de pressão efectiva vem dado por: ΔPef = ΔP-Δπ.
A osmose é um fenómeno que pode ser descrito como fluxo do solvente através de uma membrana semi-permeável (permite apenas a difusão das moléculas do solvente) devido à diferença de potencial químico entre duas soluções aquosas de concentrações diferentes (ver Figura 9). O fluxo em direcção ao lado da membrana, em contacto com a solução mais concentrada, deixa de ocorrer quando a pressão da coluna, ou seja, a pressão osmótica da solução Δπ promove a igualdade dos potenciais químicos em ambos lados da membrana como mostra a Figura 9b. Aplicando uma pressão externa (Figura 9c) ΔP > Δπ no lado mais concentrado, o fluxo do solvente será invertido e o fenómeno passa a designar-se por osmose inversa.
A variação da pressão osmótica pode ser avaliada usando a equação de Van’t Hoff,
| (12) |
onde R é a constante universal dos gases, T é a temperatura absoluta, Δc é a variação da concentração do soluto, n é o número de moles dissociados e M a massa molar do soluto.
No caso da ultrafiltração, os solutos são de peso molecular mais elevado e o efeito da pressão osmótica é normalmente desprezado, salvo em situações de transporte de massa a fluxos elevados, elevados níveis de rejeição e baixos valores do coeficiente de transferência de massa. Quando o gradiente de pressão osmótica é tido em conta o fluxo de permeado através da membrana vem expresso por,
| (13) |
Para soluções macromoleculares a equação (12) não se aplica, e nestes casos é usual considerar uma dependência do tipo polinomial entre a pressão osmótica e a concentração do soluto na interface da membrana. Por exemplo, para o dextrano T70, é válida a correlação (Wijmans, 1985)1,
| (13a) |
em que Cm é a concentração na membrana em kg.m-3.
1 Wijmans, J.G., Nakao, S. and Smolders, C.A., “Hydrodynamics resistance of concentration polarization boundary layers in ultrafiltration”, J. Membrane Sci., 1985, 22, 117
Figura 9 – Osmose (a), equilíbrio osmótico (b) e osmose inversa (c)
::: Início :::
5. Ultrafiltração. Casos de estudo
O processo de ultrafiltração utiliza membranas microporosas com diâmetros de poros que variam entre 1 e 500 nm. Por este facto, estas membranas são adequadas para purificar e fraccionar soluções contendo macromoléculas, como as proteínas, cujo diâmetro médio é de aproximadamente 50 nm, sendo no entanto permeáveis a solutos de baixo peso molecular. O conceito de “Cut-off” é algumas vezes referido na literatura para caracterizar a membrana com base no tamanho dos solutos e significa o valor do peso molecular a partir do qual o soluto é rejeitado pela membrana em mais de 90%. O processo pode ser operado em modo contínuo ou em modo descontínuo.
::: Início :::
5. 1 - Modo de operação em contínuo
Na operação em contínuo, esquematizada na Figura 10, parte da corrente do retido é reaproveitada para o tanque de alimentação ao módulo. O modo em contínuo é normalmente empregue em processos de UF à escala industrial, com áreas de membrana superiores a 100 m2 (Cheryan, 1998).
Figura 10 – Operação do processo de UF em modo contínuo
Usam-se os seguintes símbolos que se referem à Figura 10:
Letras maíusculas
C = concentração (kg.m-3)
Q = caudal volumétrico (m3.s-1)
Sub-índices
e = corrente de alimentação ao módulo
f = corrente de alimentação ao tanque
p = corrente de permeado
r = corrente de retido
rec = corrente de reciclo
s = corrente de saída do módulo
Os balanços materiais, em estado estacionário, que podem ser considerados para avaliar o desempenho do processo são os seguintes:
Balanço total global
| (14) |
Balanço ao soluto global
| (15) |
Balanço total para o tanque
| (16) |
Balanço ao soluto para o tanque
| (17) |
Balanço total para o módulo
| (18) |
Balanço total no ponto de derivação da corrente de retido
| (19) |
Define-se a razão de reciclo Rc como sendo,
| (20) |
A partir da definição do coeficiente de rejeição R = 1 – Cp/Cb, a concentração do permeado vem dada pela equação,
| (21) |
O caudal de permeado relaciona-se com o fluxo volumétrico J, pela equação,
| (22) |
onde Am é a área da membrana.
A substituição da equação (21) no modelo do filme para descrever a polarização da concentração – equação (5), permite relacionar a concentração da membrana Cm e a concentração no seio de alimentação Cb, conforme se indica na equação seguinte:
| (23) |
A aplicação do modelo da pressão osmótica – equação (13), permite calcular o fluxo J a partir do gradiente de pressão efectivo, em que a pressão osmótica é determinada pela relação polinomial,
| (24) |
onde α, β e γ são constantes.
Admitindo que o módulo se comporta como um reactor perfeitamente agitado (CSTR), que se mostra esquematicamente na Figura 11, a concentração no seio de alimentação (Cbulk=Cb) ≈ concentração no retido (Cr).
Figura 11 – Módulo de membrana perfeitamente agitado
Na Tabela 3 apresentam-se as equações finais que são utilizadas pelo simulador para estudar o comportamento do processo de ultrafiltração de macromoléculas, em modo contínuo.
Tabela 3 – Resumo das equações para o processo de UF em modo contínuo
Balanços materiais
| (25) |
| (26) |
| (27) |
| (28) |
Modelo do filme
| (23) |
Modelo da resistências em série
| (29) |
Variáveis de entrada: Qf, Cf, Rc, R, k (avaliado através da correlação – Eq. 9) e ΔP
Variáveis de saída: Qr, Qe, Ce, Cm, Cb e J
Parâmetros: Am, Rm, η, α, β, e γ
::: Início :::
5. 2 - Modo de operação em descontínuo
A operação em descontínuo, como se mostra na Figura 12, constitui o modo de operação mais comum em instalações laboratoriais e à escala piloto. Nesta operação o permeado é recolhido continuamente e a corrente de retido é reintroduzida no tanque de alimentação. Uma vez que não há adição de alimentação, o processo decorre em regime transiente, sendo os balanços materiais para este caso expressos pelas equações (30) a (33).
Figura 12: Operação em descontínuo do processo de UF.
Balanço total global
| (30) |
Balanço ao soluto global
| (31) |
Balanço total para o módulo
| (32) |
Balanço ao soluto para o módulo
| (33) |
Substituindo a equação (32) na equação (33) e considerando que Cr ≈ CB, obtém-se a equação,
| (34) |
Para descrever o transporte do soluto na camada limite aplica-se a equação (6), que correlaciona a razão Cm/Cb e os dois factores responsáveis pela polarização de concentração: o fluxo J e o coeficiente de transferência de massa k. Nesta equação, o coeficiente de rejeição intrínseco Rint (Rint = 1 – Cp/Cm) é calculado a partir do coeficiente de rejeição através da equação,
| (35) |
A Tabela 4 sumariza as equações introduzidas no simulador para estudar o comportamento da ultrafiltração em modo descontínuo.
Tabela 4 – Resumo das equações para o processo de UF em modo descontínuo
Balanços materiais
| (36) |
| (37) |
| (38) |
Definição do coeficiente de rejeição
| (21) |
Relação entre coeficientes de rejeição
| (35) |
Condições iniciais
| (39) |
Modelo do filme
| (6) |
Modelo de resistências em série
| (29) |
Variáveis de entrada: Vo, Cfo, Qf, R, k e ΔP
Variáveis de saída: V, Cf, Cp, Cm, Cb e J
Parâmetros: Am, Rm, η, α, β, e γ
::: Início :::
Bibliografia
Baker, R.W., “Membrane Technology and Applications”, John Wiley & Sons (2004)
Cheryan, M., “Ultrafiltration and Microfiltration Handbook”, Technomics Publishing Co. Inc. (1998)
Ladisch, M. R., “Bioseparations Engineering: Principles, Practice, and Economics”, John Wiley & Sons (2001)
Mulder, M., “Basic principle of membrane technology”, Kluwer Academic Publishers (1991)
Wankat, P.C., “Rate-controlled separations”, Blackie Academic & Professional (1994)
::: Início :::